Isabel Oliveira: Considerada uma iguaria pouco apreciada por alguns – que chegam a torcer o nariz só de pensar nela – para outros, um verdadeiro manjar. O nome de ‘guerra’ é alvo de milhões de gracinhas à mesa. Atualmente, o corte é vendido em alguns estados, acondicionado em sacos, como outro petisco proveniente do frango, como moela e coração. Mas, ao ser colocado à venda, o sobrecu da galinha ganha um nome mais ‘simpático’: sambiquira.
No Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), o nome aparece como sambiquira, sobre ou curanxim – o famoso sobrecu, que, “na tradução indígena, no tupi antigo, é umbykyra”, como explica Francisco Kelmo, professor de biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba).
“Sobrecu ou sambiquira é a região caudal do frango. A estrutura de sustentação é formada pelo pigostilo. Na parte dorsal do sobrecu encontra-se o uropígio (glândula que produz óleo para lubrificação das penas). O sobrecu protege a abertura da cloaca que fica abaixo dele”, esclarece Kelmo, explicando para que os aficionados possam se deliciar com mais propriedade, digamos assim.
Comer o sobrecu da galinha, em muitos estados brasileiros, se resume à mesa da casa, pois a cultura gastronômica baiana não morre de amores pela iguaria. É preciso levar em consideração que há certo preconceito.
“Pelo próprio nome, muitos têm preconceito. Então alguns fatores podem contribuir para esse baixo consumo, principalmente aqui na Bahia”, comenta a nutricionista Carolina Radel Dias Ferraz.
Quem quiser degustar o sobrecu tem que comprar o frango inteiro e consumir em casa mesmo, pois em bares e restaurantes não vai encontrar. Não é como pedir uma porção de coração ou moela de galinha, oferecidos fartamente no comércio de todo o país. Aliás, para quem tem mais alguns aninhos, deve lembrar que não faz muito tempo esses cortes da galinha também eram disputados apenas entre familiares, e muitas vezes, no palitinho.
A brincadeira era feita às gargalhadas. Quem ganhava levava o miúdo mais delicioso. Geralmente, o coração era o mais requisitado. O sobrecu, coitado, ficava por último, mas não deixava de ser saboreado com muito apetite.
Atualmente, quando o frango é depenado, os miúdos são retirados e vendidos à parte porque se transformaram em saborosos petiscos oferecidos em bares e restaurantes. É o movimento dinâmico gastronômico modificando a cultura. Assim, bem pode ser o sobrecu, uma vez que a venda começa a ser notada nos estados que veem o acepipe com um olhar de cobiça tanto gastronômica quanto financeira.
O chef de cozinha Peu Alves (@pointcampogrande), do Point Campo Grande, localizado no Campo Grande, que trabalha com cortes de frango em seu bar restaurante, acredita que precisa de um bom marketing para alavancar o sobrecu à condição de um corte, digamos, mais respeitado. Pelo menos na Bahia.
Chef Peu Alves ensina como fazer sambiquira:
“Na verdade, essa parte do frango não é muito divulgada, tem muitas pessoas que nem sabem que existe essa parte do frango. Eu que sou da roça, tenho conhecimento, mas é por trabalhar com frango também. É uma parte saborosa, mas por ser uma parte que talvez tenha um pouquinho mais de gordura e por não ser conhecida, as pessoas acabam não consumindo”, afirma.
O chef Peu, assim como muitas famílias baianas, também tem seu apego por este saboroso montinho de gordura. E não é que ela se transformou em uma comida afetiva. Afetiva e disputada! Em uma família de 14 irmãos, pense em uma disputa boa!
“Minha mãe criava galinha caipira e, como minha família é grande, a gente disputava quem ia comer a moela, quem ia comer o fígado da galinha, e nessa leva também tinha o sobrecu. Como matava duas ou três galinhas, na hora a gente disputava essa iguaria, conhecida como os miúdos. A minha mãe fazia uma farofinha do caldo do frango e aí a gente acabava comendo o sobrecu porque é um pouquinho mais gordinho. Na verdade, tem uma quantidade maior de gordura, e quando você botava uma farofinha misturada... rapaz!! Ficava muito gostoso com a pimentinha.”
Já a nutricionista Carolina recomenda um pouco de moderação, pois o sobrecu não é uma carne tão nutritiva como os cortes mais nobres.
“Em termos nutricionais, o sobrecu não é tão interessante como, por exemplo, o peito de frango. Para você ter uma noção, ele é composto na sua maioria de pele e tecido adiposo. E tem muito menos, infinitamente menos quantidade de proteínas do que, por exemplo, 100 gramas de peito de frango, que tem cerca de 28 gramas de proteína. O sobrecu tem de 10 a 14 gramas apenas de proteína em 100 gramas. Isso significa que o sobrecu é bem mais calórico, tem muito mais gordura e muito menos eficiência como fonte de proteína magra”, explica.
Pedro não pensa na dieta nem na ‘tonelada’ de gordura, adora um sambiquira bem preparado e com gosto de infância. “O fritinho, o assado no forno, o acompanhamento ideal será uma farofinha seca e uma saladinha vinagrete. Isso para mim é o ideal para comer esse petisco”, conta, lambendo os beiços.
Embalado pelas memórias de infância, o chef vai nos fazer a gentileza de ensinar uma receitinha com gosto de quero mais, fritinha, com aquela pimentinha e viciante.
Sambiquira à Passarinho-Ingredientes:
- 350 g de sambiquira
- 1 pitada de sal
- 1 pitada de pimenta-do-reino
- 1 banda de limão
- Óleo para fritar
- 2 dentes de alho em lâminas
- Coentro fresco a gosto.
Modo de preparo:
- Limpe bem as sambiquiras, retirando as glândulas localizadas na parte superior.
- Lave com água, um pouco de vinagre e sal.
- Tempere com sal, pimenta-do-reino e suco de limão.
- Aqueça o óleo e frite as sambiquiras até ficarem douradas e crocantes.
- Em uma frigideira, frite as lâminas de alho até ficarem levemente douradas
- Finalize colocando o alho frito e o coentro fresco por cima das sambiquiras.
Sugestão de acompanhamento: Sirva com farofa de manteiga e salada vinagrete de tomate, cebola e coentro.
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