A atriz e produtora Cláudia Raia falou na tarde deste sábado (18), no penúltimo dia do 12º Encontro de Mulheres Pague Menos, no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza.
Raia destacou em palestra suas produções Raia: "Não Caia na Raia", "Não Fuja da Raia" e "Nas Raias da Loucura". A palestra teve como tema 'Nas Raias do Empreendedorismo".
Destacou também a novela 'Verão 90', onde vive a personagem Lidiane.
Confira na integra a palestra de Claudia Raia:
"NAS RAIAS DO EMPREENDEDORISMO
Raia destacou em palestra suas produções Raia: "Não Caia na Raia", "Não Fuja da Raia" e "Nas Raias da Loucura". A palestra teve como tema 'Nas Raias do Empreendedorismo".
Destacou também a novela 'Verão 90', onde vive a personagem Lidiane.
Confira na integra a palestra de Claudia Raia:
"NAS RAIAS DO EMPREENDEDORISMO
CLAUDIA
RAIA
Eu amo
palcos. Acho que todo mundo aqui sabe disso, né. Entrar num palco pra mim é tão
confortável e natural quanto abrir a porta de casa e entrar na minha própria
sala. Mas como hoje eu tô aqui pra dar uma palestra, uma coisa mais séria,
comportada, tenho que lutar insistentemente contra os impulsos nervosos que meu
cérebro manda direto pras minhas pernas, senão saio dançando, começo a cantar,
então se me der a louca e eu começar a fazer um musical do nada, não se
assustem, eu juro que volto.
Estamos
aqui hoje pra falar um pouco sobre Empreendedorismo Artístico a partir das
experiências que vivi nessa minha vida maluca de artista e produtora.
A verdade
é que, pelo menos do meu ponto de vista, da minha trajetória de vida,
dificilmente uma coisa se separa da outra. Nem se eu quisesse eu conseguiria
falar de ser artista sem falar de empreender. Eu sou primeiro de tudo uma
artista, foi assim que tudo começou; mas a verdade é que sou tão empreendedora
quanto: foi assim que tudo continuou.
Bom, lá
fui eu pesquisar um pouco pra organizar esse nosso papo e achei uma coisa muito
curiosa. Me deparei com uma entrevista que dei em 1991 para TV Cultura, onde o
Walter Clark, queridíssimo diretor, produtor e amigo, me perguntou, por ocasião
d'eu estar produzindo o espetáculo Não Fuja da Raia, se eu pretendia continuar
produzindo, já que ele sabia o quanto era algo difícil, ainda mais naquela
época. De sopetão, respondi:
"Claro…
lógico que sim! Eu não desisto fácil, sou capricorniana, teimosa, com
ascendente em leão… Eu acho que daqui uns anos vou tá muito cansada disso tudo,
porque agora com 24 anos às vezes eu fico cansada, mas não… ainda tem muitas
produções pela frente."
Eu não
sei se fui profética ou só teimosa a vida toda, mas fato é que se passaram 30
anos e absolutamente nada mudou. Segui produzindo cada vez mais… Agora, pra não
dizer que nada mudou, uma coisa mudou sim, ou mais ou menos mudou: meu
ascendente não é em leão, mas sim em gêmeos, alguém tinha me falado errado na
época!
Depois
que assisti essa entrevista fiquei pensando comigo e eu jamais desistiria de
produzir ou de fazer qualquer outra coisa que amo… Eu não tenho nem roupa pra
desistir do que quero, gente.
Obviamente
eu não sou mais a mesma Claudia Raia de 1991, um monte de coisa muda com o
tempo, né, amores… A gente amadurece, passa a enxergar as mesmas coisas de mil
outras formas diferentes e, talvez, uma das coisas mais importantes desse
amadurecimento seja reconhecer o que vale e o que não vale a pena se fazer na
vida. Ter algum discernimento na hora de assumir algo ou tomar uma decisão,
saber onde se meter… o que também não quer dizer que não vamos nos meter em
furadas uma vez mais em algum momento, faz parte, somos humanos, mas fato é que
esse espírito, essa vontade de fazer, de mexer e remexer as coisas, enfim,
seguiram comigo feito minha sombra.
Segui
puxando os fios desse tecido enorme tentando montar uma genealogia artística e
empreendedora da minha vida e me ocorreu olhar pra longe, bem longe. Foi aí que
me deparei com a Cláudia criança, inevitavelmente onde tudo começou. Nessa época
eu ainda era a Maria Cláudia, pra falar a verdade, mas já era pra frente igual…
Desde
menina eu queria fazer todas as coisas: eu queria dançar, eu queria cantar, eu
queria tocar piano, eu queria jogar capoeira, e lá ia eu estudar. Sempre
estudei muito e isso é extremamente importante em qualquer coisa que a gente se
propõe a fazer na vida. Mas na verdade eu não imaginava que seria atriz,
cantora, pianista nem muito menos capoeirista, isso não estava nos planos
daquela criança...
De algum
modo eu sempre soube que era bailarina. Que seria pra sempre bailarina. Que
essa era a minha vocação, até porque com 3 anos eu já estava num palco
dançando. Aliás, dançando o Bem-Te-Vi atrevido, mas deixa isso pra
lá…
Uma
coisa, porém, é muito importante desde esses tempos longínquos: a inquietude
que sempre morou em mim, sempre enorme, proporcional ao meu tamanho, e por isso eu diria que tudo que me moveu até
aqui foi a inquietude, essa energia maluca que não deixa a gente satisfeito com
nada. Ou sempre querendo fazer mais e mais.
Com 12
pra 13 anos eu já era a primeira bailarina do Balé de Câmara de São Paulo. Saia
todo dia de Campinas pra São Paulo pra estudar e dançar horas e horas à
exaustão. Sempre disciplinadíssima, o que acho super importante tanto pra atriz
quanto pra empreendedora que fui... Que sou, né, por favor. Mas, enfim, tô
falando isso porque quero partir pra Nova York, não agora, embora fosse uma
ótima ideia, mas nessa história que tô contando, porque acho que todas essas
experiências e excursões que fiz na vida me deram alguma bagagem, ou faísca,
pra fazer tudo que acabei fazendo. Eu dificilmente volto de uma viagem sem uma
peça ou ideia na mala, até por isso carrego tanta mala nas viagens que faço… Eu
acho que o empreendedor, nesse caso o produtor, de alguma maneira está sempre
observando e caçando o que vale a pena ser produzido, ou o que faria sucesso em
outro contexto, outros lugares, enfim.
Bom, lá fui eu de Campinas para Nova York continuar minha carreira de bailarina ...
… Fiz uma
audição, passei e ganhei uma bolsa de estudos
para o American Ballet Theatre. Era uma menina. Já enorme, mas uma
menina. Por lá fiquei 1 ano, conheci o mundo da Broadway, assisti centenas de
musicais e me apaixonei completamente por esse formato. Isso mudou a minha
vida, minhas vontades e tudo que aconteceria dali em diante.
Depois que
voltei pro Brasil, não passou muito tempo e virei a bailarina número 1 do
Teatro Colón em Buenos Aires...
… Eu amo
Campinas, mas aparentemente eu não tinha a menor vocação pra ficar parada, né.
Já imaginaram minha mãe nessa história toda? Eu cheguei a pedir pra ela assinar
um documento em branco que eu usaria depois pra me emancipar, porque eu queria
me casar, vê se pode... Ou seja, eu realmente era de enlouquecer qualquer mãe…
Inclusive falaremos de mamãe num outro momento.
Fato é
que já em Buenos Aires, contratada do Teatro Cólon, casa e carro na garagem,
conheci a Susana Giménez através do Ruben Terranova, um coreógrafo e amigo
argentino. A Susana era uma vedete argentina maravilhosa. Acabei fazendo uma
audição pro novo espetáculo dela e passei.
De
repente lá estava eu fazendo o espetáculo SexTante, da Susana,
descendo escada dançando, [FOTO 6] adentrando esse mundo que descobria
completamente meu. Esse espetáculo, afinal, era uma revista musical e eu, bom,
eu era uma vedete. Tá no meu sangue.
Óbvio que
eu não sabia, porém mais uma vez estou diante de algo que vai gritar pra mim lá
na frente, quando eu finalmente for produzir e ditar os rumos da minha
carreira. No fim das contas a vida é realmente um quebra cabeça gigante onde
algumas peças só fazem sentido no futuro, sabe, aquela peça que ficou meses e
meses jogada no cantinho, não encaixando em lugar nenhum?... Só não pode perder
a peça, que uma hora você vai precisar dela! Que raiva quando termina o
quebra-cabeças e sumiu aquela maldita pecinha.
Bom, tava
tudo indo bem por Buenos Aires, mas o teatro El Nacional acabou pegando fogo e
não tinha mais como fazer o espetáculo Sextante. Já no Cólon eu estava de
férias, então vim pro Brasil passar um tempo.
Aqui eu
descubro que o Walter Clarke, aquele que me fez a pergunta sobre continuar
produzindo, produziria A Chorus Line no Brasil, um musical da Broadway que eu
amava de paixão e já tinha assistido 7 vezes em Nova York!
Cacei meu
rumo e fui fazer essa audição. Cheguei 3 da manhã e adivinhem o meu número de
inscrição? Número 001 entre 1.500 candidatas! Tava realmente obstinada a
conseguir o papel da protagonista - que, no caso, era a Sheyla Bryant.
Quando eu
entro pro teste já dou de cara com o Walter Clark e sua equipe de produção. A
primeira coisa que falo? Deus do céu, eu era muito pra frente. Olho pra ele e
digo:
"Eu
sou Maria Claudia Mota Raia, tenho 15 anos e eu vim porque eu vou fazer a
Sheyla Bryant, pode escrever aí, sou eu a Sheyla Bryant!"
Detalhe
que Sheyla era a personagem mais velha do espetáculo, tinha 37 anos, e
justamente estava em crise com a coisa da idade, em como seguir sendo
bailarina, porque a idade, meu bem, é cruel com as bailarinas… E eu, com 15
anos, peguei o papel. Não assim de cara, é uma longa história, mas peguei o
papel.
… Em
Chorus Line eu talvez tenha descoberto que meu lugar na vida realmente eram os
musicais. Era ali que eu gostaria - e, bom, ficaria pra sempre.
Descobri um pouco como era aquele mundo por dentro, fazendo parte dele, dançando, cantando, atuando e já me perguntando "qual seria o próximo?
O tal
próximo não viria fácil assim. Num belo dia Jô Soares, que era amigo do Walter,
foi assistir ao musical e se encantou comigo. Resolveu então criar um esquete
novo para seu programa Viva o Gordo, onde eu teria um papel, além de
fazer parte do corpo de baile do programa. A partir daí minha carreira de atriz
começa a decolar, agora comediante. Mas, gente, comediante? É, as coisas foram
acontecendo e eu fui dando corda. Bem maluca!
Tava tudo
indo bem… Tudo indo lindo. Em 1985 fiz Roque Santeiro , 2 anos depois
fiz Sassaricando, já emendei na TV Pirata, enfim, aquele
clássico tsunami maluco de trabalhos que nem percebemos o tempo passar.
Embora
muita coisa estivesse acontecendo na televisão, fora dela tava tudo parado.
Período pós ditadura, pouquíssimo investimento na cultura, um marasmo só. De
repente vejo o cenário cultural brasileiro pousando feito uma estátua de
Michelangelo e eu super inquieta.
Cadê os
musicais? Cadê os trabalhos que eu queria fazer? Foi aí que entendi mais uma
coisa na vida: eu não podia esperar as coisas acontecerem, até porque as coisas
não estavam acontecendo…
Então
acho que a inércia dos produtores acabou me fazendo produzir. Se eu não tomasse
a frente e produzisse minhas próprias coisas, talvez não saísse do lugar. Não
vi nenhuma brecha no mercado, mas tinha uma vontade enorme, então meti a cara
fui fazendo.
Ali, com
19 anos, começa a minha vida de produtora. Até então eu era uma artista vendo
portas se abrirem e entrando por essas portas, e tudo que aprendi, cada pessoa
que conheci, enfim, me deixou algo que levei comigo. Mas experiência com
produção eu não tinha nenhuma. Até porque empreender e produzir é assumir muito
mais riscos. Não era """apenas""" me preparar,
ensaiar, entrar num palco e ir embora para casa depois do espetáculo. Era
cuidar de tudo: carregar o caminhão nas costas se o motor parasse. Ou empurrar
o caminhão caso ele não pegasse… e depois dormir na caçamba do caminhão. Aliás,
produtor nem dorme, gente. Pra eles tudo começa antes e termina depois.
Por mais
que não tivesse experiência, me lembrei de minha mãe. Odete Motta Raia. Uma mulher curiosa,
corajosa, ousada ...
… Um
exemplo lindo, o maior exemplo de todos. Minha mãe era bailarina, maestrina,
pianista e professora de dança. Muito cedo meu pai faleceu e foi ela quem deu
conta da família. Sozinha. Ali, na perna, literalmente. Ela tinha uma academia
de dança em Campinas e, acreditem, 10 filiais pelo interior de São Paulo. Uma mulher… Uma mulher, sozinha, naquela época, assumindo um lugar de empresária além de artista e mãe. Forte e
pra frente feito um catamarã. A maneira como minha mãe vivia e lidava com
suas coisas, fazia acontecer seus desejos, buscava formas de viabilizar novas
ideias e seus espetáculos sem dúvidas foi algo que levei comigo, mas, enfim,
isso é só um parênteses que se eu descuidar vou levar horas falando aqui.
Seguimos...
Ninguém
sai do lugar parado, e foi assim que, com 19 anos, levantei minha primeira
produção: Little Shop of Horrors!
Era uma
produção super famosa da Broadway e eu resolvi trazer pro Brasil. Trazer um
espetáculo da Broadway pro Brasil naquela época não era algo fácil… e não que
hoje seja fácil, mas era tão difícil quanto trazer os Beatles pra cá, até
porque nem tinha mais Beatles naquela época. Quando pensamos um espetáculo
grande e suas demandas, mil questões vem nesse pacote:
-
Temos equipe técnica habilitada pra isso? Desde luz a
efeitos especiais?
-
Temos teatro com estrutura pra isso?
-
Temos patrocinadores dispostos a entrar com uma grana
alta pra esse tipo de projeto que é caro?
Enfim,
são muitas perguntas e boa parte das respostas às vezes é "não".
Me lembro
de uma história que li de um produtor argentino que recebeu uma ligação do
empresário do Frank Sinatra - que faria um show em Buenos Aires dai 6 meses.
Ele queria bater um papo e convidar esse produtor pra trabalhar na produção
local. Tiveram uma reunião poucos dias depois e esse produtor argentino ficou
encarregado da parte argentina da coisa toda. Faltavam 6 meses para o concerto
e o empresário de Sinatra queria visitar o local do show, no caso o Luna Park,
entender a logística, definir algumas coisas. Na parte argentina ninguém
entendeu nada, afinal faltavam 6 meses pro evento, pra que essa preocupação com
tanta antecedência? Fora isso, o produtor local ficou em pânico pois não sabia
quem contratar pra cuidar do som, do palco com exigências que ele nunca tinha
visto, do cenário que era outra coisa nova pra ele, enfim, das demandas de um
show tão grandioso quanto o de Sinatra. No fim das contas deu tudo certo, mas
nos bastidores muita coisa foi aos trancos e barrancos: nunca tinha acontecido
nada em termos de showbusiness daquela
proporção ali. Esse tipo de experiência movimenta o mercado, os profissionais,
gera novas demandas, cria novas oportunidades.
Mas,
voltando, porque se eu dou mole pra mim mesma pego uma estrada e quando vejo tô
em Belém... A Pequena Loja dos Horrores!
Resumindo,
A Pequena Loja dos Horrores é um espetáculo que conta a história de uma planta
carnívora que vai crescendo e comendo todo mundo (Con't)...
… E essa
planta existia, mas não aqui no Brasil: uma planta enorme, tipo esses bonecos,
operada por uma pessoa que ficava dentro dela. Pensei comigo "eu vou
trazer essa planta de Nova York, né?" Claro… que ideia maravilhosa! Metemos a planta num avião da Varig e trouxemos ela pro Brasil. Foi um
fuzuê só. A
imprensa falava disso, todo mundo falava disso. Foi algo que chamou a atenção e
isso é bom enquanto mídia…
Finalmente
lá estava eu produzindo meu primeiro musical, entendendo o quanto era difícil,
mas também aprendendo a lidar com tudo e arrumar soluções. Um detalhe
importante é que me meti justamente a produzir musicais, isso num país que,
bem, não se interessava muito por musicais, né? Qual foi o resultado da coisa
toda?
Um completo
fracasso. Dívidas amontoando-se na minha frente. Eu maluca vendendo carro,
pegando empréstimo, dando voltas e mais voltas pra resolver um pequeno problema
que arrumei na tentativa de fazer meu próprio espetáculo. Vale dizer que eu
assumi essa empreitada exclusivamente como produtora. Produzi o musical mas não
era atriz no musical. Queria ver o cenário acontecendo, os musicais
acontecendo... Obviamente que enquanto
produtora, na tentativa de salvar meu espetáculo, eu acabei entrando de atriz
pra ver se chamava público, se dava uma guinada na coisa toda, mas não
funcionou também…
Aqui vem
uma primeira lição pra mim e pra todo mundo: embora empreender seja arriscado,
quem não arrisca… já dizia o ditado. E de todo fracasso a gente consegue tirar
uma lição. Ou muitas. Descobri aí que
fácil não era. Mas e agora? Bom, eu quero fazer isso… eu gosto de fazer isso.
E, acima de tudo, eu quero ter a liberdade de produzir o que eu quero fazer.
Falei mais cedo que nem roupa pra desistir de alguma coisa eu tenho, né? Mas
era hora de repensar algumas coisas…
Produzir
é empreender. Empreender é um negócio. E todo negócio demanda um punhado de
conhecimento, tipo:
1 -
Entender de planejamento. Colocar as mãos e os olhos nas planilhas,
literalmente. Olhar pro seu orçamento, olhar pra verba que você tem, cruzar as
informações e fazer caber no orçamento.
2 -
Estudo do caso. O quê estou querendo fazer? Pra quem estou fazendo isso?
3 -
Cercar-se de pessoas que a gente confia. Quem poderia estar comigo? Nenhum
negócio vai pra frente sem as pessoas certas nas funções certas.
4 -
Pensar estratégias. Pra quem eu vou vender isso? Que tipo de gente investiria
nessa ideia? E como eu vou vender essa ideia? De que forma eu agrego valor a
isso enquanto a artista, ou nome, por trás de tudo?
5 -
Principalmente, eu preciso ter propriedade sobre o que eu quero fazer, entender
o que estou fazendo, senão serei passada pra trás, enrolada… E propriedade sobre o que faço isso eu sempre
tive.
Claro que
às vezes entramos de cabeça numa coisa, mas acabamos justamente batendo cabeça.
Eu acho necessário tatear. Colocar um pé, depois o outro, e aos poucos
empreender vira teu palco também. Se torna natural. Parte de um processo onde
estamos inseridos.
Esses
pontos me foram um bom ponto de partida. Nessa reavaliação toda foi quando que
me ocorreu um questionamento bastante importante:
Como eu
vou fazer musicais num país onde não se tem hábito de assistir musicais? Ou
seja, eu mais ou menos preciso criar um público e condições gerais para fazer o
que eu quero fazer. Que missão, não? E não é raro que seja assim no mundo dos
negócios. Você cria um produto. Apresenta o produto. Coloca o produto no
mercado com diversas estratégias e dependendo de como tudo for feito, ele vai
vingar. Agora, uma coisa é bem importante pra que esse produto, ou seja lá o
que for, vingue: precisa ser bom, né. Não a adianta nada fazermos coisas mais
ou menos. Se assumiu aquilo, é hora de fazer direito.
Como já
falei, sozinho ninguém faz nada, mas na tentativa de agregar pessoas ao meu
desejo, encontrei mais temor que vontade. Primeiro, fui pra um lugar que pouco
se ia, que as pessoas temiam estar e, depois, tinha-se essa ideia martelada na
cabeça que brasileiro não gostava de musical. O próprio Boni - que mais tarde
foi quem levou o musical Não Fuja da Raia pra Globo, falava que se colocasse o
espetáculo na TV ia dar errado. Ou seja, "não gostarem" era mais uma
questão de não conhecerem, não terem o hábito de ir a musicais, do que não
gostar mesmo. E também não é raro vermos pessoas criticando o que elas nem
conhecem, né.
O fato é
que, pra mim, se meter a fazer musicais era um ato de coragem e superação. E eu
era a agente dessa história naquele momento. Agente, além do mais, da minha
própria história. Com as dificuldades eu sempre me tornei mais forte… Com as
dificuldades eu sempre me tornei mais criativa, então por que não? De algum
modo sempre tive esse sentimento de desbravadora das artes: que tiraria da
cartola alguma coisa nova, que traria frescor pra arte, que faria alguma
diferença, culturalmente, no país. Inclusive esse é um dos dos pontos
principais na hora de empreender: querer fazer a diferença, mas isso eu retomo
mais pra frente.
Nesse
turbilhão de coisas, enfim, nasce o Não Fuja da Raia! Minha segunda produção. Nessa história eu, o
Silvio de Abreu e o Jorge Fernando fomos migrando pra um teatro de revista
"mais moderno", transformando ele, vivendo e aprendendo e
experimentando uma nova coisa no teatro.
Por
exemplo, naquela época pegávamos números da Broadway e adaptavamos pra nossa
realidade, pro português, não exatamente traduzindo, mas usando aqueles números
americanos de base e criando nossas dramaturgias.
Era mais
ou menos uma Broadway disfarçada e dessa maneira estávamos fazendo musical
brasileiro com conteúdo americano num formato de revista.
Foi um
sucesso, mas também não foi fácil. Rolou uma tentativa desesperada de boicote
ao espetáculo, mas não deu certo… Aliás, penso que não se boicota talento… não
se boicota trabalho… não se boicota honestidade, portanto acabaram não
conseguindo e ficamos quase 3 anos em cartaz com o espetáculo.
Pois é, 3
anos em cartaz com o espetáculo. E era só o começo, meu bem.
Mas,
voltemos às dificuldades porque nem tudo é ouro aqui: como falei antes, muitas
vezes existem carências do próprio mercado naquilo que estamos empreendendo.
Atores, por exemplo, com esse perfil de musical, que cantassem, dançassem,
atuassem, enfim, não existiam. Não era um formação normal no Brasil. Eu,
particularmente, tive o privilégio de ir agregando mais e mais coisas na minha
carreira, mas de lados diferentes, de fontes diferentes, de países diferentes,
complementando a bailarina de formação que era. Quando eu fui fazer dramaturgia
eu nunca tinha feito isso na minha vida. Mas é bem verdade que também não era
uma atriz de musical, fui aprendendo enquanto fazia e ensinava num processo que
durou anos.
Juro, eu
ia atrás de atores, perguntava "você sabe cantar parabéns pra você? Então
vem comigo!" e pronto, levava pra mim e entrávamos nesse processo coletivo
de aprendizado.
De algum
modo acabei não só criando um ambiente de trabalho, mas influenciando uma
geração de atores a fazer musicais. Hoje em dia ainda é carente, claro, mas
somos muitos. Porque assim como em vários nichos de mercado, existe uma demanda
grande e não tem tanta gente assim, mas pelo menos existe demanda, o que quer
dizer que as coisas estão acontecendo. E estão mesmo acontecendo.
Ou talvez
eu precise ser mais generosa, porque está acontecendo muito! A verdade é que há
10 anos o Brasil é o terceiro país em produção de musicais ficando atrás dos Estados Unidos e da
Inglaterra. Temos um mercado muito sólido e extremamente potente. Além
do mais, conseguimos produzir até 10 musicais ao mesmo tempo. Temos equipe pra
isso. Se remontamos essa cronologia, percebemos que essas mudanças aconteceram
muito rápido… com trabalho mais trabalho mais trabalho, claro.
Até
porque, o próprio Não Fuja da Raia, no fim das contas, acabou virando uma
trilogia de sucesso no teatro, a trilogia Raia, que ainda teve Nas Raias da
Loucura e Caia na Raia, tudo empreitada minha. Nessas horas
a gente vê que os esforços são tijolos sendo colocados certinhos um sobre o
outro.
Daí em
1995 acabamos entrando na programação de especial de fim de ano da Globo, e no
ano seguinte fizemos mais 6 episódios especiais.
Como já
falei antes, no fim das contas o espetáculo foi levado pra Globo através do
próprio Boni - que lá atrás tinha suas dúvidas quanto ao formato funcionar.
Vocês
vejam só essa curiosidade: eu chego a trocar de figurino 30 vezes no especial
da Globo, sendo que anos antes, no processo de produção do Não Fuja da Raia, eu
tava indo pra 25 de Março atrás de apoio de loja de tecido, implorando de
joelhos por 20 metros de veludo. Eu amo essas viradas que a vida dá.
Eu acho
que essa primeira metade dos anos 90 foi determinante pro resto da minha
carreira. Eu era efetivamente uma produtora, fazia acontecer o que sonhava e
bem ou mal sabia os caminhos para se produzir um musical. Sempre, claro,
acertando e errando. O importante é uma hora você acertar muito mais que errar,
senão não funciona também…
O que se
segue não é pouco…
Não Fuja
da Raia, Nas Raias da Loucura, Caia na Raia, Batalha De Arroz Num Ringue Para Dois, Pernas pro Ar, Cabaret onde, aliás, eu me realizei, Crazy for You, Raia 30 - O Musical Cantando na
Chuva, Fala Sério Gente e, agora, Chaplin O Musical… affe Maria.
Agora, o
que aconteceu com a Claudia Raia artista quanto mais crescia a Claudia Raia
empreendedora? A verdade é que só melhorei enquanto artista. Empreender os
próprios trabalhos desloca a gente desse lugar cômodo, ou supostamente cômodo,
de quem nem sabe o que acontece por trás dos panos pra tudo aquilo ali estar de
pé, seja numa novela, num filme, numa peça, enfim… empreender nosso trabalho
desloca a gente pra um lugar muito especial e delicado, mesmo.
Óbvio que
não é uma relação fácil essa entre eu e eu mesma (nunca é, né?)… É uma briga,
uma digladiação maluca: a produtora com a atriz, a atriz com a produtora, o
tempo todo, até sonhando.
Eu tô em
cena representando mas eu tô olhando o trilho, a luz que piscou e não acendeu,
o som que tá alto ou baixo demais, a peruca da bailarina que eu vejo que não tá
penteada direito… Enfim, o produtor é um olho que tudo vê, né, ainda mais
quando ele tá em cena. Então me atrapalha um pouco essa coisa crítica tão
pesada que tenho com meu trabalho, esse olhar centralizador, de tá vendo o
tempo todo tudo que acontece… Isso é algo que todo artista que empreende acaba
levando consigo, e há de se tomar cuidado pra não se atrapalhar.
Porém, e
muito mais importante, ser a produtora dos meus espetáculos também me tornou
uma atriz, ou, principalmente, uma artista maior ainda! Estar nesse duplo lugar
me dá uma qualidade, um acabamento, um polimento, uma vontade de fazer aquilo
da melhor forma possível, o que torna essa relação extremamente positiva.
Então eu,
como atriz, em cena, deposito toda minha confiança na outra Claudia, a
produtora. Sei que tudo foi feito pra aquilo funcionar. Ainda que tenha a
intuição da atriz, a que está no palco e assumo a segunda fase de riscos. Ou
seja, no palco eu sigo aquilo que quero dizer, aquilo que sinto, mas pro palco
estar ali a produtora precisou fazer muita coisa.
Eu acabei
levando isso pra minha vida enquanto atriz. Afinal, eu não faço apenas meus
espetáculos, faço muita televisão, faço cinema - inclusive menos do que
gostaria, faço campanhas publicitárias, dou palestras… etc... E acho que, às
vezes, falta pro ator ver o todo. O ator é muitas vezes um ser super
ensimesmado, preocupadíssimo consigo, sempre de olho no próprio umbigo.
Eu
confesso que nunca fui exatamente assim, mas mudei horrores estando dos dois
lados da história. Quando eu tô, por exemplo, numa novela, como agora estou
fazendo a Lidiane em Verão 90 [FOTO 34], e aliás amando esse papel,
eu não consigo olhar pro projeto só pelo meu lado de atriz. Eu penso na
dificuldade da gravação. Quanta gente se mobilizou para aquilo acontecer. A
quantidade de figurantes que tem na cena. O que tá em jogo ali, não poder
atrasar, enfim, tudo isso vem de uma visão de produtor que a gente acaba
levando pra todos os outros projetos - que são tão grandes e difíceis quanto os
nossos, assim como são tão importantes quanto.
O curioso
é que agora me lembro daquela fala da Claudia Raia com 24 anos, dizendo que
seguiria produzindo, embora achasse que cansaria um pouco rápido. Cansar eu não
cansei, muito pelo contrário, sigo tendo cada vez mais fôlego. E de alguma
maneira, hoje, não vale mais a pena pra mim estar num palco pra fazer um
espetáculo que eu não tenha idealizado ou tenha querido muito fazer… Explico o
porque.
Tem
centenas de trabalhos que a gente gostaria de fazer na vida, aquela pilha de
trabalhos, igual temos aquela pilha de livros pra ler e talvez nem dê tempo de
ler tudo na vida, né. Envolver-se com um espetáculo demanda muito tempo: meses
de preparação mais meses em cartaz, vamos colocar aí, por baixo, 1 ano. Ou
seja, se for pra me dedicar tanto tempo a alguma coisa, que seja alguma coisa que
sonho muito em fazer.
Além do
mais, tendo me tornado a empreendedora que me tornei, levantar um espetáculo
hoje em dia toma outros contornos. Hoje eu agrego muito valor a um espetáculo.
Agrego valores distintos, e por diversas razões: pelos meus conhecimentos como
produtora, pela minha jornada como atriz, pelos parceiros que geralmente levo
comigo, pelos patrocinadores que tem confiança no meu trabalho, pela minha
força na mídia enquanto artista… Então, de algum modo, quase não faz mais
sentido pra mim eu estar apenas como atriz num espetaculo tendo essas
ferramentas na mão. Até porque eu tenho tesão em levantar essas paredes, mesmo
que, como no exemplo do Chaplin - O Musical, eu já nem esteja em
cena, mas era algo que eu queria muito fazer aqui. Sabe quando você vê alguma
coisa e quer contar pra todo mundo? Acontece comigo assim… eu assisto algo e
quero produzir pra que todo mundo veja aquilo também. Então hoje eu não consigo
mais atuar sem produzir, mas consigo produzir sem atuar. Produzir e estar em
cena são duas paixões diferentes, mas igualmente necessárias na minha vida.
Isso
justifica muito do porque eu empreendo. O caso do Chaplin, por exemplo, tá
muito relacionado ao que falei mais cedo sobre ser um agente da cultura, de
promoção da cultura, de manutenção da cultura. Inclusive, numa lista de 3
objetivos, digamos assim, pelos quais eu faço tudo que faço, esse é o número 1…
trabalhar para a cultura… ser uma agente dessa coisa tão necessária na
vida.
Em
segundo lugar, é maravilhoso ter meu espaço enquanto artista. Ou, na verdade,
criar esse espaço para mim enquanto artista. E, acima de tudo, ter a liberdade
de fazer, de mostrar, de dizer o que quero dizer naquele momento. Eu acho que
empreender é isso: é viabilizar vontades, desejos, demandas pessoais. É tornar
sonhos possíveis e, no meu caso, esses sonhos são arte. Minha vida sempre foi
fazer arte.
Por
último vem o lucro. Claro que o lucro importa. Estamos falando de sermos
empresárias, de assumir riscos, de fazer apostas. Você não faz um espetáculo
pra fracassar. Nem nenhuma outra coisa, né? Além do mais, nesse ponto da minha
vida, eu não faria nada tão grande apenas por amor, embora sem amor eu também
não faça nada… Por amor eu já fiz muito e já perdi muito, assim como já ganhei
também, é a vida. Mas, definitivamente, o lucro não é o que determina a minha
vontade de levantar um espetáculo.
Pra
chegar até aqui, literalmente, mais ou menos no parágrafo 80 desse texto, eu já
fui pra Nova York, já voltei. Já cai, já levantei. Já investi, já quebrei. Já
perdi, já ganhei. Bati em muitas portas, algumas abriram, outras não, mas,
acima de tudo, eu não parei de bater em todas essas portas. E eu sou mulher, o
que dá outros contornos pra toda essa história. Nada nunca foi mais fácil para
uma mulher. A gente começa sempre de um ponto de partida mais distante, então
imagina 30 anos atrás. O machismo talvez fosse o mesmo, mas a gente não se
posicionava como se posiciona hoje. Criamos um espaço que não tínhamos. Isso é
muito importante: Nada nem ninguém pode apagar a gente. Ofuscar a gente. Tornar
a gente menos do que somos ou do que queremos ser. A complexidade feminina é
imensa e isso a gente tem que usar pra gente, porque é nosso. Posicionar-se,
sempre. Ter certeza do que quer e assumir, criando nosso próprio espaço.
Resumindo
tudo, no fim das contas 3
sentimentos me fizeram chegar até aqui. Sentimentos que me fizeram ser a mulher
que sou, a artista que sou, a empreendedora que sou. E eu queria dividir esses
sentimentos com vocês: CORAGEM, OUSADIA E PAIXÃO.
Coragem
porque viver é se arriscar. Empreender é se arriscar. É assumir os próprios
desejos e buscar formas de torná-los realidade. Colocar a cara a tapa. Assumir
um lugar de liderança, enfrentar e
resolver problemas. É ser valente, perseverante e forte.
Ousadia
porque empreender é pensar em novas coisas. Sair das fórmulas. Se reinventar
sempre que necessário... E é sempre necessário se reinventar, amores. Encontrar
novas maneiras de fazer o que já se faz. Sair do lugar comum e da zona de
conforto. Ser ousado é assumir a própria inquietude, aquela que não deixa a
agente confortável nunca, ainda bem!
Paixão
porque paixão é o sentimento mais avassalador que existe: é movimento, desejo,
impulso, entusiasmo, vontade. A paixão é o que move a gente. A minha paixão
pela dança, pelo palco, pelos musicais. A minha paixão pelo público, pelo novo,
pelos desafios. A paixão me trouxe até aqui e me faz viva todos os dias. Sem
paixão nenhuma coisa acontece, ou até acontece, mas não vale nada.
E acho
que cada um tem suas motivações, embora algumas sejam sim comum a todos que
querem empreender, inovar, fazer-se acontecer.
Eu, agora
mesmo, fico pensando no que ainda quero realizar, até porque sinto que vou produzir
pra sempre. Por mais que o sucesso de uma empreitada nos deixe satisfeitos,
fica sempre faltando alguma coisa… ou, melhor dizendo, fica sempre faltando a
próxima coisa, e agora mesmo eu tô olhando pra essa próxima coisa, pra esse
próximo desafio. Sinto que agora é hora de explorar a televisão e o cinema
enquanto produtora. Em termos de televisão, amo os formatos mais modernos de
séries. De certo modo é um modelo que a gente tá começando a pensar e fazer
como pensam e fazem nos Estados Unidos, por exemplo.
Mas antes
queria me meter com cinema… Claro que eu sei o quão complexo é produzir cinema,
ainda mais porque eu também não facilito nada pra mim, pois quero produzir
filmes musicais, outra coisa que não fazemos aqui. Enquanto eu penso nisso, uma
voz me diz "você sabe que ta arrumando mais uma encrenca, né?". Mas
me respondo "Sei e não tô nem aí."
Quando se
fala em produzir eu já estou na ponta da escada perguntando "Onde? Quando?
Com quem?". Só de pensar em escolher um texto, escolher um elenco, escolher
um diretor, ir atrás do dinheiro, enfim, construir todo esse alicerce de algo
que acredito e que não se faz, eu já consigo forças suficientes meter a cara, a
mão e fazer. É isso que amo, né. Então, por quê não?
No fim
das contas a vida é feita de nãos. Um monte de nãos em todo canto que a gente
olha. O sim aparece nas curvas, nas brechas, nos cantos, piscando rapidamente,
e precisamos estar atentos, porque no momento em que o sim aparece, a gente
mete o pé naquela frestinha que se abriu, derrubamos a porta e abrimos esse
novo caminho pra nossa vida.
Um beijo".
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