O Estado de S. Paulo
Alexandre Le Voci Sayad*
Fuvest e Enem não são sinônimos de educação. Tampouco o ensino médio o é. Em tempo de crescimento econômico e crise de mão de obra qualificada, uma onda de inconsciente coletivo costuma a apontar essa etapa como a única chave para a formação completa de cidadãos e trabalhadores adultos – “felizes e bem sucedidos”.
Não é tarde lembrar que os mais recentes estudos da neurociência apontam para o período de zero a cinco anos como o mais importante na formação cognitiva; é justamente nessa etapa que cerca de 90% da complexa rede neuronal é formada. A pergunta que paira no ar, esquecida nas vésperas dos vestibulares, é: será essa a gestão do Ministério da Educação que vai votar na educação infantil a importância merecida?
Alguns Estados norte-americanos recentemente reduziram o investimento na chamada educação dos primeiros anos (ou da primeira infância) e sofreram as consequências. Em Long Island, por exemplo, de acordo com o último censo, há apenas metade das vagas necessárias em escolas públicas de educação infantil, o que faz com que os moradores gastem dinheiro que muitas vezes não têm nas instituições privadas – aumentando o endividamento.
Já o Havaí, terra natal do presidente Barack Obama, foi ambicioso e inteligente ao tecer políticas públicas. Um censo pré-natal é aplicado anualmente à população do arquipélago. Os pais, antes mesmo de terem dado à luz, se reúnem nas comunidades, com governos locais, para pensar a educação dos filhos nos próximos anos e projetam como serão as classes em 12 ou 13 anos. A prática é reconhecida como “educação pré-natal”.
O Canadá já deixou há tempos de chamar as professoras de “tia”. A formação dessas profissionais é a mais dispendiosa dentre todas as carreiras daquele país. O governo acredita no óbvio: crianças bem desenvolvidas ajudam futuramente no aprendizado de toda a classe. Uma classe com alunos bem formados acelera e sofistica o aprendizado, alavancando assim as marcas nacionais do próprio ensino médio.
Para avaliar como anda o desenvolvimento cognitivo das crianças e projetar políticas públicas futuras, a região canadense da British Columbia desenvolveu um indicador denominado Early Development Instrument (http://earlylearning.ubc.ca/edi/). Trata-se de um questionário elaborado por universidades, aplicado somente a profissionais que tem intimidade com as crianças.
O mais complexo é que essa não é meramente uma questão escolar, e sim uma questão que tangencia comunidade, família e também escola. Nesse sentido, a organização não governamental Early Year Institute (http://www.earlyyearsinstitute.org/) tem sido reconhecida internacionalmente por estimular brincadeiras, atividades e outras práticas em comunidades, bem como a troca de experiências.
O Brasil brigou para encaixar as creches na criação do Fundeb, mas os recursos da União e sua capacidade de atuação na primeira infância são pífios. A questão da municipalização deixou ainda mais confuso e corrupto os repasses de verba.
Mas a principal falta de atenção a essa questão (que hoje é publica, social e privada) vem da vocação “terceiro mundista” que as políticas públicas ainda carregam no seu bojo: estamos descobrindo as “novidades” sempre com dez anos de atraso em relação ao resto do mundo. Os indicadores estão começando se firmar e diretrizes políticas ainda não tem solidez para a educação dessa faixa etária. Mal sabemos quem são as nossas crianças, ou como elas se desenvolvem.
Nesse ritmo, não haverá ensino médio capaz de acelerar nossos índices de escolarização e desenvolvimento.
* ALEXANDRE LE VOCI SAYAD É JORNALISTA E EDUCADOR. DESENVOLVE PROJETOS INTERDISCIPLINARES COMO FOCO EM EDUCAÇÃO PARA ESCOLAS, GOVERNOS E EMPRESAS. é AUTOR DO LIVRO IDADE MÍDIA: A COMUNICAÇÃO REINVENTADA NA ESCOLA, PUBLICADO PELA EDITORA ALEPH.
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